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Revista ACAIACA 08/1953 |
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Revista ACAIACA 08/1953 |
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Revista ACAIACA 08/1953 |
Por Maria Izabel Miranda Oliveira
Atendendo ao apelo do dinâmico prefeito deste Município, Sr. Feliciano Oliveira, presto minha pequena colaboração á reportagem que a Revista de Cultura “ACAIACA” está dedicando, neste número, a Montes Claros e a Francisco Sá.
Como professora primária, tendo em mente o grande problema educacional, de promover ‘a maior soma possível de benefícios às nossas crianças, conservar-lhes a vida, a saúde, a alegria, favorecer-lhes o desenvolvimento do corpo e do espírito, assisti las e protegê-las nas suas necessidades e aspirações, venho falar-lhes de nossas crianças sem uma assistência adequada no sertão de Minas Gerais.
Sem a menor dúvida, a criança, constitui hoje um dos maiores, senão o maior objetivo de preocupação da sociedade. Todo o desenvolvimento social, humano, cívico, moral e cultural é função do cuidado que dispensamos á criança. Não seria temeridade repelir-se o lugar comum, que o grau de civilização. de um povo deve ser auferido pelos seus trabalhos de assistência e amparo à infância.
Ao apanharmos, ao acaso, um moleque de rua, aqui na sertão, encontramos, sem dúvida alguma, um sabichão. Viveu. na sua pequena vida, grandes e torrnentosas aventuras. Dormiu ao relento, engraxou sapatos, a cantar cantigas obcenas, andou a levar recados inconvenientes, conhece a linguagem dos malandros. admira os heróis do crime. Sabe simular e dissimular, como ninguém, e revela sempre uma vincada perversidade, provinda, por certo, da vida que leva. É assim o “anjo de cara suja”, com a alma sepultada pela sua desdita peculiar.
E quando aparece na escola, com a roupa em remendos. cabelos grandes, unhas sujas e compridas, desatento às lições provocando um, dizendo palavrões a outros, a professora o repreende e o castiga. Lembra-lhe que precisa ser bem comportado, para levar o prémio da semana ao papai ou a mamãe; que
deve estar sempre limpinho, unhas e cabelos aparados, dormir em quartos arejados, ingerir alimentos sadios, com vitamina e cálcio. E saber as lições! Mas, por esse contraste, que é provocante, e por outros do mesmo teor, a escola fica, não raro, psicologicamente e socialmente falando, um padrão difícil de ajustamento. À hora da saída, é a hora da libertação. A criança sai para a rua para encontrar a liberdade perdida. E a rua é tudo, com todas as seduções e todos os vícios convidativos, jardins, cinemas, cafés, bilhares, acontecimentos, escândalos, curiosidades,
Mas se a criança está na rua, se o desamparo cresce de hora em hora, se a vida começa a ser poluída na própria fonte, o mal está efetivamente devorando a sociedade e a própria continuidade humana
Quando lemos nos grandes escritores que a história dos povos há de decidir-se na habilitação das crianças e que a criança é o “nosso novo mundo”; que todos somos responsáveis pelo que está martirizando a infância; que não há SER mais ignorado e incompreendido do que o menor — somas obrigados a reconhecer em seu aspecto negativo, a afirmativa de que o nosso século é o século da criança. Sim, a afirmação de que o nosso século precisa resolver um problema que ainda não resolveu.
É o século da criança que clama por proteção e que mostra aos olhos dos homens modernas as suas misérias e desesperanças.
E coitadas de nossas crianças do interior. . . Vivem em casas geralmente muito pobres, sem conforto e sem higiene, que se compõem de um ou dois cómodos mal mobiliados, onde vive um aglomerado de pessoas de várias idades e em intima promiscuidade. Em tôrno da habitação há o terreiro, desprovido de árvores e flores, onde ciscam galinhas e se chafurdam porcos.
Como pode ser feliz, alegre e sadia uma criança que não encontra em tôrno de si o caminho, conforto e beleza indispensáveis à sua sensibilidade? Até mesmo as nossas escolas rurais apesar de toda a boa vontade do nosso prefeito, não oferecem condições de higiene e de conforto capaz de trazer ás crianças um pouco de bem-estar, embora já se note aqui bastante desenvolvimento,
Acredito que está reservado ao professor primário, ao professor rural, um importantíssimo papel na melhoria do padrão de vida da população rural, porque ele é o mais indicado para a educação higiénica propriamente dita, além do dever da instrução.
Será preciso rodear a criança das peculiaridades de sua vida familiar e social, dotando-a de conhecimentos e habilidades que lhe permitam saber utilizar materiais com que esta habituada, proporcionando-lhe, deste modo, caminho reto para encontrar a verdadeira adaptação ativa no meio em que vive.
Considero também como uma das principais causas da ineficiência das nossas escolas a deficiente alimentação dos alunos.
Obrigados quase todos a longas caminhadas, permanecem eles depois da escola muitas horas, tendo de fazer de novo o trajeto de volta. E já tendo partido de casa com uma refeição minguada, passam todas essas horas sem se alimentar. Pelo exposto e em nome das professôres deste Município, venho solicitar ao Governo que tão bem compreende o magno problema da educação, que ajude as crianças sertanejas. E também facilite com que tenhamos; a Caixa escolar, a Cooperativa, a Merenda escolar em nossas escolas.
A nossa causa e comum, o bem da infância para o bem futuro do nosso Estado e do nosso querido Brasil. Nós é que sentiremos agradecidas pelos esforços que fizer para acudir ao nosso apelo,
Artigo extraído da Revista ACAIACA edição de Agosto de 1953, dedicada a Montes Claros e Francisco Sá
Interessante esses artigos que o buteco publica periodicamente sobre o passado do Brejo, sugiro que poderia publicar o livro inteiro para nosso deleite.
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