domingo, 10 de outubro de 2010

A Infância no Município de Francisco Sá

Revista ACAIACA 08/1953
Revista ACAIACA 08/1953

Revista ACAIACA 08/1953


Por Maria Izabel Miranda Oliveira


Atendendo ao apelo do dinâmico prefeito deste Município, Sr. Feliciano Oliveira, presto minha pequena colaboração á re­portagem que a Revista de Cultura “ACAIACA” está dedicando, neste número, a Montes Claros e a Francisco Sá.


Como professora primária, tendo em mente o grande problema educacional, de promover ‘a maior soma possível de bene­fícios às nossas crianças, conservar-lhes a vida, a saúde, a alegria, favorecer-lhes o desenvolvimento do corpo e do espírito, assisti­ las e protegê-las nas suas necessidades e aspirações, venho falar-lhes de nossas crianças sem uma assistência adequada no sertão de Minas Gerais.


Sem a menor dúvida, a criança, constitui hoje um dos maiores, senão o maior objetivo de preocupação da sociedade. Todo o desenvolvimento social, humano, cívico, moral e cultural é função do cuidado que dispensamos á criança. Não seria te­meridade repelir-se o lugar comum, que o grau de civilização. de um povo deve ser auferido pelos seus trabalhos de assistên­cia e amparo à infância.

Ao apanharmos, ao acaso, um  moleque de rua, aqui na sertão, encontramos, sem dúvida alguma, um sabichão. Viveu. na sua pequena vida, grandes e torrnentosas aventuras. Dormiu ao relento, engraxou sapatos, a cantar cantigas obcenas, andou a levar recados inconvenientes, conhece a linguagem dos malandros. admira os heróis do crime. Sabe simular e dissimular, como ninguém, e revela sempre uma vincada perversidade, provinda, por certo, da vida que leva. É assim o “anjo de cara suja”, com a alma sepultada pela sua desdita peculiar.


E quando aparece na escola, com a roupa em remendos. cabelos grandes, unhas sujas e compridas, desatento às lições provocando um, dizendo palavrões a outros, a professora o re­preende e o castiga. Lembra-lhe que precisa ser bem comporta­do, para levar o prémio da semana ao papai ou a mamãe; que
deve estar sempre limpinho, unhas e cabelos aparados, dormir em quartos arejados, ingerir alimentos sadios, com vitamina e cálcio. E saber as lições!


Mas, por esse contraste, que é provocante, e por outros  do mesmo teor, a escola fica, não raro, psicologicamente e socialmente falando, um padrão difícil de ajustamento. À hora da saída, é a hora da libertação. A criança sai para a rua para encontrar a liberdade perdida. E a rua é tudo, com todas as seduções e todos os vícios convidativos, jardins, cinemas, cafés, bilhares, acontecimentos, escândalos, curiosidades,


Mas se a criança está na rua, se o desamparo cresce de hora em hora, se a vida começa a ser poluída na própria fonte, o mal está efetivamente devorando a sociedade e a própria con­tinuidade humana


Quando lemos nos grandes escritores que a história dos povos há de decidir-se na habilitação das crianças e que a criança é o “nosso novo mundo”; que todos somos responsáveis pelo que está martirizando a infância; que não há SER mais ignorado e incompreendido do que o menor — somas obrigados a reconhecer em seu aspecto negativo, a afirmativa de que o nosso século é o século da criança. Sim, a afirmação de que o nosso século precisa resolver um problema que ainda não resolveu.


É o século da criança que clama por proteção e que mostra aos olhos dos homens modernas as suas misérias e desesperanças.


E coitadas de nossas crianças do interior. . . Vivem em casas geralmente muito pobres, sem conforto e sem higiene, que se compõem de um ou dois cómodos mal mobiliados, onde vive um aglomerado de pessoas de várias idades e em intima promis­cuidade. Em tôrno da habitação há o terreiro, desprovido de árvores e flores, onde ciscam galinhas e se chafurdam porcos.


Como pode ser feliz, alegre e sadia uma criança que não encontra em tôrno de si o caminho, conforto e beleza indispensáveis à sua sensibilidade? Até mesmo as nossas escolas rurais apesar de toda a boa vontade do nosso prefeito, não oferecem condições de higiene e de conforto capaz de trazer ás crianças um pouco de bem-estar, embora já se note aqui bastante desen­volvimento,


Acredito que está reservado ao professor primário, ao profes­sor rural, um importantíssimo papel na melhoria do padrão de vida da população rural, porque ele é o mais indicado para a educação higiénica propriamente dita, além do dever da instrução.

Será preciso rodear a criança das peculiaridades de sua vida familiar e social, dotando-a de conhecimentos e habilidades que lhe permitam saber utilizar materiais com  que esta habituada, proporcionando-lhe, deste modo, caminho reto para encon­trar a verdadeira adaptação ativa no meio em que vive.


Considero também como uma das principais causas da ine­ficiência das nossas escolas a deficiente alimentação dos alunos.
Obrigados quase todos a longas caminhadas, permanecem eles depois da escola muitas horas, tendo de fazer de novo o trajeto de volta. E já tendo partido de casa com uma refeição min­guada, passam todas essas horas sem se alimentar.

Pelo exposto e em nome das professôres deste Município, venho solicitar ao Governo que tão bem compreende o magno ­problema da educação, que ajude as crianças sertanejas. E também facilite com que tenhamos; a Caixa escolar, a Cooperativa, a Merenda escolar em nossas escolas.

A nossa causa e comum, o bem da infância para o bem futuro do nosso Estado e do nosso querido Brasil. Nós é que sentiremos agradecidas pelos esforços que fizer para acudir ao nosso apelo,



Artigo extraído da Revista ACAIACA edição de Agosto de 1953, dedicada a Montes Claros e Francisco Sá

Um comentário:

  1. Interessante esses artigos que o buteco publica periodicamente sobre o passado do Brejo, sugiro que poderia publicar o livro inteiro para nosso deleite.

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