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Imagens e Lendas
Yvonne de Oliveira Silveira
Em muitas cidades de Minas, existem lendas em torno das imagens dos seus santos padroeiros. Todas muito parecidas, encantadoras na revelação da crença ingénua e da fantasia da nossa gente. São sempre assim: a imagem fora encontrada num local um pouco afastado do povoado e levada para a casa ou palhoça do seu descobridor. No dia seguinte, porém, ei-la desaparecida, para ser depois reencontrada no mesmo lugar, o que provava a miraculosidade da imagem e o seu desejo de ser venerada onde se tornara visível. Era então erguida uma capelinha tosca, muitas vezes coberta de colmo, e o santo, consagrado padroeiro, ficava senhor de todas as terras. Tantas vezes ouvi essas lendas que julguei ser um uso generalizado para todas as imagens padroeiras das nossas cidades. Mas não é. Em Montes Claros, por exemplo, os mais velhos contam que as imagens de Nossa Senhora e São José vieram da Bahia. Também no Catuni, a bonita imagem de Nossa Senhora da Conceição veio da Bahia e o burro que carregou a preciosa carga nunca mais trabalhou, por determinação da patroa, doadora da escultura.
No entanto, nas localidades onde existe a lenda, muita gente acredita na sua veracidade. E a imagem, em vez de ser venerada como recomenda a Igreja, é adorada e considerada a verdadeira encarnação do santo
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Eu também creio no poder ilimitado de Deus, que pode servir-se de todos os meios para mostrá-lo às criaturas. E sei que há imagens milagrosas. Mas dai a acreditar em todas as lendas que se criam, ‘há uma enorme distância, o que não impede que nos ‘taxem de descrentes,
Aqui em Francisco Sá não é diferente a lenda sobre a imagem de madeira, pequena e mal acabada, do padroeiro São Gonçalo. A nossa imaginação pode visionar os supostos acontecimentos ocorridos há uns duzentos anos. Uma velhina a do povoado de Cruz das Almas, ou na época já denominado Brejo das Almas, sai pela manhã para apanhar lenha e encontra em um tronco de árvore a imagem de São Gonçalo. Encantada e feliz, mal consegue formar um pequeno feixe de gravetos e regressa à sua palhoça com o precioso tesouro sob o chale. Coloca-o em uma mesa,(teria mesa a velhinha?) ornamenta-o com flores do campo, acende-lhe uma candeia de azeite. E à noite, depois de rezar muito, dorme feliz. Mas na manhã seguinte, eis a dolorosa surpresa: o santo não está no altar improvisado. Mas não fora roubado, pois, a única porta da casa está bem fechada e ninguém sabia do seu achado. Desconsolada, volta a mata no seu labor de todo dia e .instintivamente dirige-se ao tronco ressequido. Uma surpresa maior a espera. Lá está o santinho, bem acomodado. Já a velhinha não consegue apanhar a lenha. Volta para o povoado e conta a todos o milagre. Há um verdadeiro alvoroço. Uns crêem, outros duvidam. Porém, quando repete o mistério, no dia seguinte, não pôde haver mais dúvidas. Depois da promessa de que no local será erguida uma capela ao santo, que se tornou o padroeiro do povoado e dono de todas terras, levam-no para a casa da velha. À noite reúnem-se para pedidos e orações que são elevados aos Céus, iluminados pela luz dos rolões de cera.
A única realidade de toda essa fantasia é a Imagem de. Gonçalo de apenas trinta centímetros, que ainda está no altar-mor da nossa Matriz, formando contraste com as imagens grandes e bem feitas, que ultimamente vêm sendo doadas por irmandades edevotos. Estátuas de outros santos, bem entendido, pois muita aqui não admite que se troque o São Gonçalinho por um porque isto nos traria várias calamidades. O Pe. Salustiano dos Anjos, chegou a destronar o pequeno, colocando no lugar uma imagem bem maior doada por um devoto — mas de São Gonçalo vestido de dominicano. Foi tal a reclamação, que o vigário que substituiu, teve que reconduzir o verdadeiro padroeiro para o trono, que está justamente onde existira a primitiva capelinha,outra realidade que concorrera para a criação da lenda
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Acontece que os registos históricos da cidade narram que a imagem fora encontrada por uns negros fugitivos, no Saco município de Grão Mogol, e que, perseguidos por um capitão mato, deram-na a uma senhora. Esta trouxe a Imagem para o Brejo das Almas e naturalmente foi quem erigiu a primitiva capela.
É claro que há mais lógica nessa narrativa. Mas a lenda é muito mais bonita? E depois, o fanatismo religioso continua vivo no espírito do nosso povo como nos tempos coloniais, e a culpa não cabe às autoridades religiosas, mas, somente à escacês de sacerdotes que ensinariam a todos a verdadeira religião católica.
Texto extraido da Revista Acaiaca de agosto de 1953, nesse numero com artigos sobre Montes Claros e Francisco Sá.
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