terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Imagens e Lendas


Texto original

Imagens e Lendas

Yvonne de Oliveira Silveira




Em muitas cidades de Minas, existem lendas em torno das imagens dos seus santos padroeirosTodas muito parecidas, encan­tadoras na revelação da crença ingénua e da fantasia da nossa gente. São sempre assim: a imagem fora encontrada num local um pouco afastado do povoado e levada para a casa ou palhoça do seu descobridor. No dia seguinte, porém, ei-la desaparecida, para ser depois reencontrada no mesmo lugar, o que provava a miraculosidade da imagem e o seu desejo de ser venerada onde se tornara visível. Era então erguida uma capelinha tosca, muitas vezes co­berta de colmo, e o santo, consagrado padroeiro, ficava senhor de todas as terras. Tantas vezes ouvi essas lendas que julguei ser um uso generalizado para todas as imagens padroeiras das nossas cida­des. Mas não é. Em Montes Claros, por exemplo, os mais velhos contam que as imagens de Nossa Senhora e São José vieram da Bahia. Também no Catuni, a bonita imagem de Nossa Senhora da Conceição veio da Bahia e o burro que carregou a preciosa carga nunca mais trabalhou, por determinação da patroa, doadora da escultura.

No entanto, nas localidades onde existe a lenda, muita gente acredita na sua veracidade. E a imagem, em vez de ser venerada como recomenda a Igreja, é adorada e considerada a verdadeira encarnação do santo
.
Eu também creio no poder ilimitado de Deus, que pode ser­vir-se de todos os meios para mostrá-lo às criaturas. E sei que há imagens milagrosas. Mas dai a acreditar em todas as lendas que se criam, ‘há uma enorme distância, o que não impede que nos ‘taxem de descrentes,

Aqui em Francisco Sá não é diferente a lenda sobre a ima­gem de madeira, pequena e mal acabada, do padroeiro São Gonçalo. A nossa imaginação pode visionar os supostos acontecimentos ocor­ridos há uns duzentos anos. Uma velhina a do povoado de Cruz das Almas, ou na época já denominado Brejo das Almas, sai pela manhã para apanhar lenha e encontra em um tronco de árvore a imagem de São Gonçalo. Encantada e feliz, mal consegue formar um pequeno feixe de gravetos e regressa à sua palhoça com o precioso tesouro sob o chale. Coloca-o em uma mesa,(teria mesa a velhinha?)  ornamenta-o com flores do campo, acende-lhe uma candeia de azeite. E à noite, depois de rezar muito, dorme feliz. Mas na manhã seguinte, eis a dolorosa surpresa: o santo não está no altar improvisado. Mas não fora roubado, pois, a única porta da casa está bem fechada e ninguém sabia do seu achado. Desconsolada, volta a mata no seu labor de todo dia e .instintivamente dirige-se ao tronco ressequido. Uma surpresa maior a espera. Lá está o santinho, bem acomodado. a velhinha não consegue apanhar a lenha. Volta para o povoado e conta a todos o milagre. Há um verdadeiro alvoroço. Uns crêem, outros duvidam. Porém, quando repete o mistério, no dia seguinte, não pôde haver mais dúvidas. Depois da promessa de que no local será erguida uma capela ao santo, que se tornou o padroeiro do povoado e dono de todas terras, levam-no para a casa da velha. À noite reúnem-se para pedidos e orações que são elevados aos Céus, iluminados pela  luz dos rolões de cera.

A única realidade de toda essa fantasia é a Imagem de. Gonçalo de apenas trinta centímetros, que ainda está no altar-mor da nossa Matriz, formando contraste com as imagens grandes e bem feitas, que ultimamente vêm sendo doadas por irmandades e­devotos. Estátuas de outros santos, bem entendido, pois muita aqui não admite que se troque o São Gonçalinho por um porque isto nos traria várias calamidades. O Pe. Salustiano dos Anjos, chegou a destronar o pequeno, colocando no lugar uma imagem bem maior doada por um devoto — mas de São Gonçalo vestido de dominicano. Foi tal a reclamação, que o vigário que substituiu, teve que reconduzir o verdadeiro padroeiro para o trono, que está justamente onde existira a primitiva capelinha,outra realidade que concorrera para a criação da lenda
.
Acontece que os registos históricos da cidade narram que a imagem fora encontrada por uns negros fugitivos, no Saco município de Grão Mogol, e que, perseguidos por  um capitão mato, deram-na a uma senhora. Esta trouxe a Imagem para o Brejo das Almas e naturalmente foi quem erigiu a primitiva capela.

É claro que há mais lógica nessa narrativa. Mas a lenda é muito mais bonita? E depois, o fanatismo religioso continua vivo no espírito do nosso povo como nos tempos coloniais, e a culpa não cabe às autoridades religiosas, mas, somente à escacês de sacerdotes que ensinariam a todos a verdadeira religião católica.




Texto extraido da Revista  Acaiaca de agosto de 1953, nesse numero com artigos sobre Montes Claros e Francisco Sá.

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