domingo, 24 de outubro de 2010

O BICHO CAMINHÃO

Corria tranquilamente o dia dez de Novembro de 1920 no Grupo Escolar “Gonçalves Chaves”, que funcionava no prédio onde é hoje sede do Sétimo Distrito de Estradas de Rodagem. Terminara o “canto” sob a agradável direção de D. Lainha (D. Aura Sarmento, esposa do Dr. José Tomaz de Oliveira) quando ouvimos um barulho diferente, vindo dos lados da Praça Dr. Chaves. E muito foguetório... Dai a pouco entrou seu Carlos (Carlos Câmara) espavorido e contando à Mestra Zinha Prates:

— O “Bicho Caminhão” chegou... Ë uma cousa horrorosa... Nunca vi.., É fim do mundo!...
Não pode haver mais aula. Alunos e professores estavam todos ansiosos para ver o novo veículo, que tanto assombro causara ao velho porteiro do Grupo. Corremos todos para a praça. Lá estava o monstro rodando, bufando
e fazendo evoluções para diante e para trás, sem ser puxado. Era um caminhão Ford com capacidade para mil e quinhentos quilos, que José Augusto de Castro mandou vir para transportar o material destinado à construção da Cadeia e Fórum.


Grande dia, para os montesclarenses, esse. O caminhão parou em frente à redação do “Montes Claros”, onde, após um discurso, o Farmacêutico António Ferreira de Oliveira, diretor do jornal, ofereceu aos presentes um espumoso copo de cerveja.
Logo adiante, Frois Neto, à porta de sua farmácia, batizou o carro quebrando-lhe no radiador uma garrafa de champanhe.


Não havia estradas, mas todo o mundo queria dar um passeio de ca¬minhão. Inicialmente pessoas gradas passeavam de graça, a convite de Seu Castro. Depois os passeios eram pagos.


Os “Paus-Pretos” — o célebre “areia caçamba” de outros tempos —ficou sendo o ponto de referência para uma corrida. Aos domingos a rapa¬ziada do comércio reunia para um passeio. Ciro dos Anjos o eminente es¬critor conterrâneo, autor de “O Amanuense Belmiro” — era naquele tempo um dos mais entusiasmados. Chefiava a ‘‘vaca”, catando dez tostões de cada um até perfazer os vinte mil réis — preço de uma corrida ida e volta aos Paus-Pretos.


Não havia nada melhor, nem mais elegante do que isso. O motorista se chamava Américo e era mais importante do que o próprio Seu Castro. Um mês depois chegavam dois outros veículos. Um caminhão e um automóvel —para o Cel. Francisco Ribeiro dos Santos; outra festa.


Logo depois D. Carlota dos Anjos, madrinha do autor e de muita gente mais, comprou uma baratinnha.
D. Carlota era viúva rica, sofria de “cravos” na planta dos pés, por isso não podia passear, nem ver o progresso da cidade. Encomendou, então, uma barata Ford, último modelo. fez uma toalhete própria para passeios de auto¬móvel — uma roupa preta de rendas nas mangas e nos babados. Mandou com¬prar um chapéu também enfeitado de rendas pretas, que lhe cobriam parte do rosto. Para sua neta Eloína, que lhe fazia companhia, mandou vir tam¬bém vestidos e chapéu. José Maquinista dirigia o carro. Era um gosto ver
D. Carlota na sua baratinha, passeando todas as tardes, a vinte quilómetros a hora... Granfiníssimal


Outros carros vieram. E com eles apareceram os primeiros motoristas:


José Samaco, José Maquinista, Joaquim Blandino, Nêgo do O’, Zeca Máximo, Pedro Souto, Raimundo de Oliveira, Menezim Enjambrado, Cândido Comes. Leopoldo Alcântara, Augusto Prudêncio, Domingos Português, etc.


Em Agosto de 1925 Mário Quaranta chefiou uma caravana de Fords a Salinas com Nêgo do O’, Cândido Comes, João Cândido e Francisco Pereira. Um feito extraordinário naquela ausência de estradas.


A 14 de Agosto de 1925 a “Gazeta do Norte” sugeria a necessidade de se decretar uma lei regulando o trânsito de automóveis na cidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário